Sem técnico e com apenas três anos de treino, revelação do atletismo é destaque no Mundial Indoor

Velocista mais rápido do Brasil nos 60m em 2025, Thiago Gobatti é convocado pela primeira vez, aos 25 anos, e já sonha em disputar Los Angeles 2028

Em agosto de 2021, o estudante Thiago Gobatti morava em Londrina, onde cursava Direito na Universidade Estadual, mas não se lembra das Olimpíadas de Tóquio, nem mesmo se assistiu às provas, como a que deu a medalha de bronze a Alison dos Santos naqueles Jogos adiados em razão da pandemia. Dois meses depois, buscando uma atividade física para fazer após o fim do confinamento, aquele paulista de Araraquara conheceu o atletismo. E, pouco mais de três anos depois, virou um dos destaques do Brasil no Mundial Indoor, que começa nesta quinta, em Nanquim, na China. 

O sportv transmite a competição ao vivo até domingo.

– Eu entrei na faculdade em 2018. Difícil falar, mas eu beirava o alcoolismo ali. Igual qualquer universitário. E fumava, era genuinamente fumante. Eu fumava um maço de cigarro por dia. Eu sempre fiz todos os esportes. Só que aí, na pandemia, eu não pude fazer mais nada. E fiquei parado em casa. O que eu posso fazer sozinho? Correr na rua aqui de casa? Aí eu achei esse Éder no Instagram. E fiz um treino com ele. Ele é o responsável por tudo que eu consegui fazer. Eu era um “tchola”. Era perdido, não estava correndo, estava todo desengonçado e tal. E ele viu alguma coisa – recorda Thiago Gobatti.

Esse Éder é Éder Souza, atleta brasileiro dos 110 metros com barreiras nas Olimpíadas do Rio 2016. E essa mudança de vida do agora advogado de 25 anos coloca ele no caminho dos próximos Jogos Olímpicos, os de Los Angeles 2028. Isso porque, três anos e quatro meses depois de experimentar sapatilhas de atletismo, Thiago Gobatti é o velocista mais rápido do Brasil e vai defender a seleção brasileira em uma competição pela primeira vez. E a estreia é logo em um Campeonato Mundial.

Thiago Gobatti vence os 60 metros no Campeonato Brasileiro, ao lado de Felipe Bardi e Erick Felipe — Foto: Gustavo Alves/CBAt
Thiago Gobatti vence os 60 metros no Campeonato Brasileiro, ao lado de Felipe Bardi e Erick Felipe — Foto: Gustavo Alves/CBAt

SEM TREINADOR

Em fevereiro deste ano, Gobatti venceu os 60 metros rasos do Campeonato Brasileiro de provas similares ao indoor com o tempo de 6s60. Em Bragança Paulista, bateu os velocistas olímpicos Felipe Bardi e Erick Felipe, representantes do Brasil nos Jogos de Paris 2024. Segundos que garantiram o atleta da Ferroviária, de Araraquara, como único velocista brasileiro no Mundial indoor. E tudo isso sem treinador.

– Acabei a faculdade e decidi me dedicar ao atletismo. Desde então, tenho elaborado meus treinos numa metodologia, uma periodizaçãozinha linear, que é pouco comum no atletismo brasileiro (feita em ciclos). Eu estudo e faço meu treino de pista. Tenho preparador físico, nutricionista e psicóloga, mas eles não se metem no treino de pista. Na faculdade de Direito eu aprendi muito a estudar. Estudo fisiologia, ciência do esporte, adaptações, estímulos, sistemas energéticos, tudo que envolve o corpo humano. Baseio o meu treino sozinho, através de artigos e livros (…) Eu entro em contato com ele (Eder Souza) ou com algum amigo que eu conheça do meio, que possa me indicar alguma coisa para ler. Eu gosto muito de ter a minha visão. Eu gosto pouco de ouvir e replicar, sabe? Por isso que vídeos no YouTube não me agradam muito, porque como tem informação, tem desinformação – explica Gobatti.

Thiago Gobatti na primeira colocação no pódio dos 60 metros no Campeonato Brasileiro de provas similares ao indoor de 2025 — Foto: Gustavo Alves/CBAt
Thiago Gobatti na primeira colocação no pódio dos 60 metros no Campeonato Brasileiro de provas similares ao indoor de 2025 — Foto: Gustavo Alves/CBAt

A informação e o talento deixaram Gobatti perto do recorde brasileiro dos 60m, feito em 2009 por José Carlos Gomes Moreira, o Codô: 6s52. Hoje Gobatti tem a sétima melhor marca (6s60) e é o quarto atleta mais rápido de todos os tempos na distância entre os brasileiros.

– O que explica (o Thiago Gobatti) é o talento, temos casos como esse espalhados e que precisamos identificar e apoiar. Procuramos ficar atentos para casos como o do Thiago, historicamente o atletismo já produziu talentos, alguns tardios, que não seguiram a trilha e o desenvolvimento tradicional desde as categorias de base e é nossa responsabilidade receber e apoiar esses casos – afirma Cláudio Castilho, diretor executivo da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) e chefe de equipe em Paris 2024.

O Brasil terá 17 atletas neste Mundial indoor. Após passar por 11 lesões, Gobatti conta que pela primeira vez desde que decidiu trocar a carteirinha da OAB pela de atleta, passou três meses seguidos treinando sem paradas. O que, em suas planilhas, o faz pensar mais em 2028 do que nesta semana.

AZARÃO OU ESTRANHO

Um estranho no meio do atletismo? Um azarão? Gobatti aceita qualquer rótulo que coloquem nele. E não está preocupado. A vitória nos 60m veio após se dedicar exclusivamente à prova enquanto os adversários, especialistas nos 100m, faziam a pré-temporada.

– Eu estou sendo eu, entende? Eu estou fazendo o que eu quero. Eu não ligo para ser categorizado como “underdog” ou “outsider”. E, se se eu for, beleza. Não preciso fazer parte da panela, não preciso ser favorito ou eu posso ser também. Eu sou bastante realista. Eu gosto de trabalhar com métricas verdadeiras e eu não gosto nunca de fingir qual é minha capacidade. Eu sei que meus 60m são nível mundial. Com toda a modéstia do mundo, eu acredito que seja o melhor do Brasil. Com segurança. Respeito máximo a todos os atletas. Tendo entrado depois, eles não imaginam que eu seja fã. É uma questão da admiração como plateia deles, sabe? Mas eu também confio no meu trabalho, agora, e sei que para os 100m tenho uma deficiência ali nesses 40m finais – analisa Gobatti.

Thiago Gobatti na semifinal dos 60m do Brasileiro de provas similares ao indoor — Foto: Gustavo Alves/CBAt
Thiago Gobatti na semifinal dos 60m do Brasileiro de provas similares ao indoor — Foto: Gustavo Alves/CBAt

A admiração por Felipe Bardi e Erick Felipe, únicos brasileiros a correrem os100m abaixo dos 10 segundos e que ele venceu em Bragança Paulista mês passado, está nas palavras de Gobatti. Mas ele também insiste que não copia nem idolatra nenhum atleta.

– Das Olimpíadas de Paris eu gravei tudo para analisar, tenho recordação mais viva de ter visto mesmo. Mas eu não tenho ídolos, porque eu não admiro ninguém. Acho todos fenomenais, mas eu acho que eu precisei criar uma ruptura com essa questão da identificação, quando eu percebi que a minha jornada era muito particular. Eu não tenho idolatrias, desde sempre. Eu não acho que se deve se colocar aos pés de alguém. Eu posso tentar imitar, mas não seria eu. Eu estaria sendo uma versão dele que eu projetei – conclui Gobatti, que tem entre os atletas que admira Alison dos Santos, Mondo Duplantis, Noah Lyles, Gabby Thomas e além Stephen Curry, do basquete.

REDES SOCIAIS

Se para o grande público Thiago Gobatti é uma novidade, para os milhares de seguidores das redes sociais ele é uma diversão há algum tempo, ou melhor, desde aquele terceiro lugar no Paulista Sub-23 em 2021.

– É a parte mais legal, para ser sincero. A segunda, né? Depois do atletismo, que é a paixão na minha vida. Eu sempre fui bobão de tudo. Sempre fui meio palhação. Sempre fui hiperativo demais e todo mundo sempre falou assim, pô, por que que você não vira blogueiro. E o treino me ensinou a ter disciplina para manter alguma coisa constante. Então, quando eu comecei a treinar, eu comecei a filmar para análise técnica. Aí comecei a postar – diz Gobatti.

As postagens, na maioria das vezes, têm muito humor, desde as dicas de treinamento até quando revela os bastidores do atletismo.

– No final do ano passado, eu planilhei até as postagens. A minha vida ela é dividida inteira no meu bloco de notas. Você vai achar que sou maluco, mas tem Instagram, YouTube e tal. Eu separo minhas tarefinhas diárias e, se vou postar minha corrida, separo uns 5 minutinhos para mostrar como está, para conversar com seguidores, criar uma comunidade ali. É essa parte que eu gosto. Eu gosto de conversar com todo mundo. E aí eu fui levando assim, e o pessoal foi gostando. Mas se você não for organizado, por mais que você seja naturalmente bom nas coisas, o que eu não acho que eu sou, acho que não é o suficiente. Funcionou. Sou uma das pessoas mais felizes do Brasil – finaliza, com o sorriso das redes sociais e a velocidade para realizar as tarefas, na vida e nas pistas.

Fonte:ge.globo.com