Valdileia Martins, feliz com a marca, triste pela morte do pai, emociona na sua despedida de Paris-2024, e Alison dos Santos e Matheus Lima passam de fase no 400 m com barreiras

“Fiz o que todo atleta quer fazer: o seu melhor”, disse a saltadora, que igualou o recorde brasileiro do salto em altura, vigente há quase 35 anos; a saltadora perdeu o pai às vésperas da Olimpíada e machucou o tornozelo na qualificação, por isso, não conseguiu saltar na final deste domingo (4/8)

“Estou feliz porque eu cheguei na Olimpíada e fiz o que todo atleta quer fazer: o seu melhor”. Foi assim que Valdileia Martins (Orcampi-SP) resumiu a sua primeira participação nos Jogos Olímpicos, em Paris-2024.

Valdileia Martins chega a final, mas não consegue saltar
(Wagner Carmo/CBAt)

A saltadora de 35 anos chegou à final do salto em altura, que foi disputada neste domingo (4/8), depois de fazer sua melhor marca pessoal e igualar o recorde brasileiro (1,92 m) na qualificação, sexta-feira (2/8). A parte negativa da apresentação foi que, na segunda tentativa para o 1,95 m, ela virou o pé esquerdo. O entorse atrapalhou a bonita história que Valdileia tinha apenas começado a escrever na França.

O que ninguém sabia era que Valdileia já estava enfrentando um difícil desafio. Israel Martins, pai da atleta, faleceu na segunda-feira, vítima de um infarto, na cidade de Querência do Norte (PR). A saltadora chegou a pensar em não competir, mas foi encorajada pela mãe e pelos irmãos a não desistir.

Na sexta-feira, classificada para a final, Val deixou a pista do Stade de France e foi diretamente para a Vila Olímpica, onde iniciou tratamento intensivo. “Tentei me recuperar nesse meio tempo, mas dois dias é muito pouco para uma entorse”, conta. “Fiz bastante gelo, laser, bandagem, um intensivo de quase 24 horas de fisioterapia. Tomei medicação forte.”

Tudo pelo grande objetivo: saltar mais uma vez. Para tentar completar sua participação nos Jogos, Valdileia adaptou o aquecimento (que fez sem saltar) e foi para a primeira tentativa, a 1,86 m.

“Eu decidi que só iria desistir quando eu visse que realmente não ia dar. Entrei e aqueci, mas mesmo com um aquecimento reduzido, eu senti dor. Fiz a primeira passada e a segunda, mas vi que não tinha condições de meter o pé. Eu não tenho força para fazer a corrida, e também não tenho confiança, porque sei que o pé está machucado.”

“Eu queria saltar na final? Queria muito. Eu queria que meu nome estivesse lá, nem que fosse no 1,86 m”, disse Valdileia, que aparece na lista da final com a sigla “NM” (no mark, em inglês, ou seja, sem marca). “Mas eu senti a energia de uma final olímpica. Eu vi como é, entrar, dar tchauzinho para a galera. Estar aqui é mágico, é único.”

A história de Valdileia ficou conhecida após a qualificatória olímpica. A saltadora nasceu e foi criada em um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – Pontal do Tigre – na cidade de Querência do Norte (PR). Foi o pai quem a incentivou no esporte. Ele montou um setor de salto improvisado, com sacos cheios de palha de arroz para substituir o colchão, e varas de pescar no lugar do sarrafo.

Com 14 para 15 anos, foi para Maringá, onde teria mais condições de se desenvolver no atletismo. Em 2010, transferiu-se para São Caetano do Sul – treinou com José Antônio Rabaça – e, depois, para Bragança Paulista, onde treina atualmente, com o técnico Dino Cintra.

Mas Valdileia virou orgulho da cidade e do assentamento, ainda que só volte para lá nos curtos períodos de férias.

“Acho que o pessoal está muito orgulhoso desse feito, me vê como uma inspiração, como se fosse capaz de superar qualquer barreira. Hoje eu me sinto incrível. As pessoas vão falar: ‘nossa, ela está se achando’. Mas, cara, eu fui incrível na Olimpíada. E eu não imaginava que a minha história seria contada. Agora, quero muito ir para Querência, porque quero ver minha mãe, após a morte do meu pai, mas também o pessoal da cidade”. 

O pai, claro, sempre se manteve como incentivador, ainda que à distância. Valdileia contou que ficou um mês com Israel após os Jogos Pan-Americanos de Santiago, em 2023, e também no Natal. Mas notou que o pai não estava bem de saúde.

“Ele fez o papel dele, formou pessoas de caráter. Em toda conquista que eu tive, a primeira pessoa pra quem eu ligava era o meu pai. Ele era o primeiro a saber das minhas vitórias, das minhas derrotas, das minhas lesões. Ontem à noite, eu chorei, porque eu vi que não vou ter mais esses momentos. Mas eu vivi tudo com ele. Meu pai não me limitava, ele sempre disse que eu era capaz.”

Alison dos Santos e Matheus Lima estão na semifinal dos 400 m com barreiras em Paris-2024

O Brasil terá dois representantes na semifinal dos 400 metros com barreiras. Alison dos Santos, o Piu, e Matheus Lima (ambos do Pinheiros-SP) passaram bem pelas eliminatórias disputadas na manhã desta segunda-feira (5/8) e voltam ao Stade de France na quarta-feira (7/8), às 14h35 (horário de Brasília).

Alison dos Santos, Piu, avança para semifinal olímpica(Wagner Carmo/CBAt)

Piu foi o primeiro a entrar na pista, na 3ª série, e passou pela eliminatória com a terceira posição – fez 48.75. Medalha de bronze em Tóquio-2020 (46.72) e campeão mundial em Eugene-2022 (46.29, recorde pessoal, brasileiro e sul-americano), Alison chegou na disputa olímpica como o segundo melhor do mundo na temporada, com a marca de 46.63, obtida na Diamond League de Oslo, em 30 de maio.

Alison, de 24 anos, está aproveitando toda a experiência que não teve em Tóquio, já que, por causa da pandemia de covid-19, subiu ao pódio em um estádio sem público. “A atmosfera está incrível. Quando entrei na pista, geral gritando para a prova, foi lindo. Essa experiência é mágica”, afirmou. 

Sobre a prova, disse que, na eliminatória, é fazer o necessário para passar, sem gastar muita energia. “A final é o objetivo, mas tem que chegar lá, não se pode descartar eliminatória ou semifinal. Esse round foi mais para sentir a pista, ficar confortável e saber o que posso fazer na próxima corrida”. Alison também confirmou que a pista está muito rápida. “Tem que ter cuidado para não atropelar as barreiras.”

Sempre descontraído, Alison chegou à Olimpíada com o cabelo tingido de roxo, no mesmo tom da pista do Stade de France. “Prometi que ia pintar hoje e cumpri. Sou um homem de palavra!”, brincou.

Matheus Lima (Wagner Carmo/CBAt)

Na 5ª e última série, Matheus Lima fez o 2º tempo (48.90) e garantiu a passagem de fase em sua estreia olímpica. O cearense de 21 anos também tinha índice para os 400 metros, mas optou pela prova de barreiras.

“Estou muito feliz de estar aqui. É um sonho realizado, mas não totalmente, porque eu quero a final. Por mais que meus adversários estejam em um nível mais forte que eu, vou buscar medalha. Não tenho medo de ninguém”, afirmou o atual campeão dos Jogos Pan-Americanos.

A decisão de correr nos 400 m com barreiras foi do “instinto”, apoiada pelo treinador Sanderlei Parrela. “Eu e meu treinador passamos meses pensando nisso. Passei dois meses competindo na Europa para tentar definir. Meu instinto dizia que era os 400 m com barreiras. No fim, foi uma decisão minha, e ele confiou.”

Matheus disse que, há 10 dias, sentiu a posterior da coxa. “Desde que cheguei aqui, estou sem treinar. Mas ontem recebi uma mensagem da Lili, esposa do meu treinador, para confiar em Deus e que tudo iria dar certo. E fui para cima classificar”.